Pagar as contas no fim do mês tem se tornando uma tarefa cada vez mais difícil para os consumidores brasileiros. Com o aumento do desemprego, muitos consumidores não estão conseguindo pagar as suas contas em dia. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias brasileiras endividadas subiu para 56,2% e o de inadimplentes (com dívidas ou contas em atraso) para 23% em fevereiro deste ano em comparação ao mês anterior.
Porém, mesmo endividados, os consumidores possuem direitos que devem ser respeitados, mas muitas vezes são desconhecidos pelos que estão inadimplentes. Segundo o advogado e consultor Ronaldo Gotlib, o consumidor não pode ser constrangido.
— O consumidor tem direitos mesmo estando endividado. É dever dos fornecedores tratar a pessoa endividada de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) — explica.
Conforme a lei, o consumidor não pode ser exposto ao ridículo durante uma cobrança: o CDC é claro quanto a isso e determina que ninguém pode ser colocado em situação vexatória, exposto ao ridículo ou submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao receber a cobrança de uma dívida.
Segundo especialistas, o consumidor está devendo, mas deve ser respeitado. Conforme o advogado também constitui crime, nas relações de consumo, usar de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou qualquer outro constrangimento que exponha o consumidor ou interfira no seu trabalho, descanso e lazer.
— O devedor que for exposto a situações de constrangimento por parte dos credores pode, inclusive, entrar com ação de dano moral contra instituições financeiras ou empresas de cobranças. Muitos consumidores passam por situações difíceis e não sabem dos seus direitos — destaca.
Neumar Ribeiro, de 59 anos, foi constrangido ao sofrer cobranças do banco Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Ligavam para meus parentes para cobrar, diz o desempregado Neumar Ribeiro
Me endividei no final de 2015 quando fiz alguns empréstimos com um banco. Após isso, me descontrolei e não consegui pagar. Uma dívida que era de cerca de R$ 2 mil, hoje está em R$ 40 mil, impossível de pagar. Me tornei um superendividado e, com isso, vieram as cobranças abusivas do banco, que me ligava dezenas de vezes por dia. Chegaram ao absurdo de ligar para meus parentes para fazer cobrança. Busquei ajuda na Defensoria Pública para acabar com esse problema.
ORGANIZAÇÃO EVITA DÍVIDAS INDESEJADAS
Para além das dívidas corriqueiras que dão dor de cabeça aos consumidores, existem os que estão no grupo dos chamados superendividados — aqueles consumidores que devem um percentual que os impede de honrar, inclusive, com contas consideradas essenciais, como aluguel e alimentação. Não há uma estatística específica de consumidores neste perfil, porém, como destaca Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, estima-se que milhares de pessoas vivam nesta situação.
— O superendividado é aquele que gasta muito além do que ganha e, assim, não consegue pagar nenhuma conta. O grau de comprometimento da renda é tão alto que a pessoa fica presa na dívida por anos, até décadas, sem conseguir colocar a vida financeira em dia — explica..
A falta de planejamento financeiro é apontada pelos especialistas como a principal causadora do endividamento entre as famílias. Em momento de crise financeira é fundamental colocar as contas na ponta do lápis e saber exatamente quanto se tem e quanto pode ser gasto ao longo do mês. O ideal, aponta Patrícia, é tentar ter uma reserva para casos de emergência.
— O brasileiro não tem o hábito de planejar os seus gastos e isso faz com que a maioria gaste mais do que pode, ou seja, falta dinheiro para fechar o mês. Assim, muitos fecham o mês no vermelho e endividados. É primordial traçar um perfil de gastos para evitar dívidas que vão virar uma bola de neve — destaca.
EXPERIÊNCIA DOLOROSA
Com 20 anos de experiência na da defesa do consumidor, o advogado Ronaldo Gotlib resolveu, após relatos de devedores sobre abusos em cobranças, se auto-endividar para sentir na pela como se dá o processo de cobrança dos inadimplentes. E a constatação foi rápida: no que ele chama de 'terrorismo psicológico', ele afirma que empresas descumprem a lei para coagir o devedor.
— Hoje em dia existe uma indústria da cobrança instalada no país, o que é um total desrespeito ao consumidor. Há casos de pessoas que já receberam mais de cinquenta ligações de cobrança por dia. Bancos, e lojas em geral, além de fazer a cobrança, terceirizam este processo para empresas. Assim, os dados do consumidor são expostos, o que caracteriza a quebra do sigilo bancário, o que é um crime grave — alerta.
Para Gotlib, a a melhor maneira de fugir de cobranças indevidas e invasivas por parte destas empresas é conhecer bem os direitos e, se necessário, acionar a Justiça. — A lei garante ao consumidor que a negociação dos débitos seja feita com o lugar de origem da dívida, ou seja, a loja ou a própria instituição financeira. Assim, o consumidor poderá conhecer o real valor da dívida e fazer uma negociação justa, longe dos exageros das empresas de cobrança .