A Polícia Civil prendeu dois homens, de 55 e 28 anos, suspeitos de manter pessoas em cárcere privado no Centro Terapêutico Liberté, nesta quarta-feira (8), em Goiânia. A Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) interditou o local por tempo indeterminado, já que não tinha alvará de funcionamento e tinha medicamentos controlados sem receita.
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O delegado Gilberto Ferro, titular do 20º DP de Goiânia, informou que os donos do estabelecimento foram presos por manter 18 dos 28 internos em cárcere privado, já que o espaço, além de não ter alvará, não era um centro médico e, portanto, não tinha autorização para manter os pacientes contra a vontade deles.
“Eles faziam uma propaganda da clínica para reabilitação dependentes químicos e prometiam internações compulsórias e voluntárias. Quando a família acionava o Centro por telefone, eles faziam camisa de força, internavam e medicavam a pessoa. Libertamos 18 pessoas em cárcere, já que os outros estavam lá por vontade própria, e apreendemos diversos medicamentos”, explicou.
Ainda segundo Ferro, um médico fazia visitas ao local para prescrever os medicamentos. Ele deve ser ouvido pela Polícia Civil, assim como os internos e funcionários do local.
Centro terapêutico foi interditado por Vigilância Sanitária em Goiânia (Foto: Vanessa Martins/G1)
Interdição
O diretor de Vigilância Sanitária de Goiânia, Dagoberto Costa, afirma que o órgão chegou ao local para fazer uma fiscalização após uma denúncia do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Na clínica foram encontrados diversos medicamentos controlados sem receita. O local também não apresentava alvarás sanitário ou de funcionamento.
“Encontramos vários medicamentos de uso controlado, que não poderiam estar em uma comunidade terapêutica. A internação compulsória só é permitida em clínicas médicas, onde há um profissional de saúde que possa acompanhar esse paciente, que possa fazer uso de medicação. Em comunidade terapêutica é terminantemente proibida internação involuntária”, esclareceu.
Costa afirmou ainda que ficou assustado com os relatos dos internos a respeito das condições precárias do estabelecimento. É bastante chocante porque eles falavam que semanalmente abasteciam a piscina e água de lá era usada para banho e as vezes até para [fazer] comida. Bastante degradante a situação. Foi interditado por tempo indeterminado”, disse.
Medicamentos controlados sem receita foram apreendidos no local (Foto: Vanessa Martins/G1)
Denúncias
Um dos ex-internos do local, Leonardo Ribeiro da Silva Guimarães, de 31 anos, contou que foi levado a força da casa onde morava em Anápolis, a 55 km de Goiânia, para o local. Ele afirma que está no local há sete dias e, assim como os colegas, era ofendido pelos funcionários do centro.
“Minha mãe solicitou o trabalho da clínica e eles me sequestraram em Anápolis e me levaram com uso de força física e remédios. Me doparam e me colocaram em cárcere privado. A gente fica preso em uma chácara e tem que seguir as regras da instituição, porque se não é dopado e alguns sofriam assédio moral”, afirmou ao G1.
Já o ex-interno Mouzar Batista, de 56 anos, relatou que era xingado constantemente no centro e não tinha condições de higiene. “A gente tomava banho e escovava os dentes com água da piscina. Para beber era uma água da cisterna, cheia de barro. Eles levavam para a gente verdura e fruta descartada de feira e a gente separava o que dava e o que não dava para comer”, denunciou.
Dos 28 pacientes do centro de reabilitação, 18 estavam em cárcere (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
O sobrinho de um dos ex-pacientes do Centro, o comerciante Humberto Cunha, de 41 anos, conta que o tio foi levado para lá porque a família queria que ele fosse tratado. Segundo ele, os parentes pagavam R$ 1 mil por mês pelo serviço. Ao saber das irregularidades do local, ele ficou indignado.
“A gente se sente lesado porque ele está lá há 60 dias. Falamos com o dono, conhecemos a clínica, parecia que, visualmente, era clínica e não estava fora dos padrões. Para tirar o parente de onde vivia, pensei que seria bem tratado. Prometeram assistência médica, psicológica, mostraram lista de médicos de lá”, reclamou.
Defesa
Um dos donos do Centro, Gilmar Marques dos Santos, de 28 anos, explicou que o espaço existia há cerca de seis meses e negou que os internos fossem dopados ou tivessem condições de higiene ruim.
“Eles não tomavam água da piscina, era de uma cisterna. Só vieram para cá os que estavam na clínica involuntariamente e os que queriam falar mal mesmo. Quem realmente buscava sair dessa vida ficou lá. Existia um médico que fazia acompanhamento mensal e os medicamentos eram todos com receita”, disse.
O proprietário afirmou ainda que as denúncias de que os internos eram buscados de forma violenta por funcionários da clínica não procedem. Ele disse ainda que estudantes de psicologia faziam o atendimento aos internos sem supervisão de um profissional e de forma voluntária.